sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Ivan Zurita - Presidente da Nestlé no Brasil


Entrevista concedida aos repórteres Rita Karam e Wilson Gotardello Filho - Gazeta Mercantil
São Paulo, 19 de dezembro de 2007

Mais agressiva, com verba de cerca de R$ 400 milhões para o marketing em 2007, o dobro do registrado cinco anos atrás, a gigante mundial de alimentos Nestlé acelera também os investimentos em expansão no Brasil. Decidiu aplicar já em 2008 os R$ 100 milhões necessários para duplicar a produção na unidade de Feira de Santana, na Bahia, inaugurada nem fevereiro de 2007, para algo como 80 mil toneladas anuais. A expectativa era fazer a expansão em cerca de quatro anos, disse o presidente da companhia no Brasil, Ivan Zurita. Entretanto, o bom desempenho da companhia no Brasil, e particularmente do Nordeste, antecipou os planos da companhia, que nos últimos cinco anos passou da oitava para a segunda colocação no ranking mundial do grupo suíço (atrás apenas da filial norte-americana) e saiu de uma receita de R$ 4,6 bilhões para R$ 12,5 bilhões.
Em 2007, as vendas de 1,4 milhão de toneladas de produtos prontos vão crescer cerca de 10%. A baixa renda, que inclui o porta a porta, já responde por R$ 300 milhões. Zurita repete que o Brasil é um País fadado ao sucesso, mas considera que a política de governo e o fato de não haver grandes crises internacionais ajudaram o Brasil a conquistar maior estabilidade e crescimento. Participante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o executivo defende uma mudança na forma de escolher os ministros, por meio de headhunter e de acordo com a formação e experiência no assunto.
Gazeta Mercantil - Como a companhia se desenvolveu no Brasil nos últimos cinco anos?
Ivan Zurita - A Nestlé Brasil, de cinco anos para cá, partiu de R$ 4,6 bilhões de faturamento para chegar neste ano a R$ 12,5 bilhões. Teve um crescimento muito importante, passou para a segunda posição no grupo em volume e quarta em faturamento entre mais de cem países onde atuamos, em 97 com fábricas. Sem dúvida, em performance está entre as primeiras também, entre as duas primeiras.
GZM - Como se deu esse crescimento?
Ivan Zurita - Definimos quatro pilares importantes, vamos dizer eixos de desenvolvimento. Um deles é a distribuição, mais horizontal. Hoje visitamos 253 mil pontos-de-venda e vamos chegar a 307 mil até meados do próximo ano. Vamos aumentar a visibilidade, a presença das nossas marcas em nosso território. O segundo ponto é a eficiência, buscar competitividade. Para isso dividimos a companhia em unidades de negócios. Isso nos deu maior velocidade e capacidade de decisão. No passado era muito comum comparar a Nestlé com os concorrentes, como Danone e Unilever. Está proibido isso aqui. Nós comparamos segmentos. Chocolate com competidor de chocolate. Sorvete com competidor de sorvete.
GZM - Até que ponto essas unidades são independentes?
Ivan Zurita - Estão ligadas à presidência, mas são dirigidas pelos BEM (Business Executive Managers), que têm a responsabilidade da operação até o resultado final, como se fosse um presidente de cada área dentro companhia. Hoje temos um serviço que atende todas as unidades de negócios como se fossem companhias dentro da própria companhia. Isso foi criado visando velocidade, decisões rápidas. Este é o segundo pilar. O terceiro é a inovação de produtos do nosso portfólio, é inovação e renovação, 67% do nosso portfólio foi trocado. Na Garoto, por exemplo, 68% dos produtos vendidos hoje lançamos depois que adquirimos. Então, quer dizer, a inovação é muito importante para a dinâmica do mercado. O quarto pilar é a comunicação. Nós definimos uma estratégia de comunicação com o "Nestlé dá 80 casas para você", "Show do milhão", buscando realmente uma maior penetração de mercado. A nossa estratégia, baseada nesses quatro pilares, nos propiciou, além de crescimento, uma maior penetração nas classes sociais C, D, E. Talvez a Nestlé seja uma das poucas marcas que possa conviver entre todas as classes sociais sem interferência de uma na outra. Acho que isso é importante porque nos leva a 97% dos domicílios.
GZM - Como é feita essa medição?
Ivan Zurita - O nosso resultado medimos pelo market share. Somos líderes em 90% das categorias em que estamos. Medimos por meio da distribuição. Hoje recebemos 10 mil ligações diárias, antes eram 2 mil. Isso mostra como evoluímos.
GZM - Qual a estrutura para gerenciar toda essa produção?
Ivan Zurita - Isto nos levou a nos equiparmos. Implantamos o que a gente chama de Globe, que é um sistema globalizado pelo qual nos integramos à Nestlé mundial. E temos hoje realmente um sistema supereficiente. É difícil, no início exige um aprendizado grande, pela complexidade fiscal e tudo que nós sabemos, mas hoje é uma realidade, isso nos suporta e nos dá informação instantânea. Nós centralizamos toda a operação de custos, contábil e de pagamento numa central que opera todas as nossas linhas de produtos. Então, hoje temos 28 fábricas no Brasil. Todas estão centralizadas, além dos recebíveis e pagamentos da Nestlé de todas as divisões. Isso é o que a gente chama de centro de inteligência que criamos em Ribeirão Preto (SP). Tal é a eficiência do sistema, que hoje temos 450 jovens operando e estamos prestando serviços para a Nestlé em 21 países, principalmente na América Latina.
GZM - Quais os últimos investimentos da companhia? E os próximos?
Ivan Zurita - Construímos nos últimos anos uma fábrica nova de Nescafé, em Araras (SP). Hoje nós somos o maior centro de produção de café solúvel do mundo da Nestlé. Lógico que grande parte disso vai para a exportação. Nós inauguramos recentemente a fábrica de Feira de Santana, que vamos duplicar com investimento de R$ 100 milhões para o próximo ano. A expectativa inicial era de quatro anos para a duplicação. A capacidade vai para ao redor de 80 mil toneladas por ano. Temos também Araçatuba, onde fica a fábrica de fórmulas infantis mais importante da Nestlé no mundo, tecnologicamente falando. Estamos construindo uma fábrica de lácteos em Palmeiras das Missões, no Rio Grande do Sul. Além da expansão da fábrica da Garoto no Espirito Santo, que anunciamos há 15 dias, investimento de R$ 200 milhões. Investimos por ano ao redor de US$ 200 milhões só em expansão de unidades, fora aquisições. A Nestlé é hoje a maior produtora de latas do Brasil ... Somos os maiores consumidores de folha-de-flandres da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). Temos investimentos permanentes nessa área para acompanhar o crescimento do volume. Somos o maior produtor de latas do Brasil e é uma área estratégica, uma linha dinâmica. É um desafio permanente porque compramos a bobina, cortamos, fazemos os anéis, todo o processo. A produção está em Araras.
GZM - Existem investimentos para a área em 2008?
Ivan Zurita - Está dentro do plano de expansão, dos US$ 200 milhões.
GZM - A Nestlé fornece latas a terceiros?
Ivan Zurita - Começamos a exportar para os parceiros da América Latina o anel e o corpo da lata. Estamos exportando neste ano ao redor de 10% da produção. Vamos aumentar se for viável. Se aumentarmos, o volume teremos preços mais competitivos.
GZM - Quais as metas da Nestlé para os próximos anos?
Ivan Zurita - Estabelecemos como meta crescer o dobro do PIB (Produto Interno Bruto), mas para nós os últimos três anos foram de grande desenvolvimento devido a essa plataforma toda, que não se cria de uma hora para outra, leva tempo. Eu falo sempre o seguinte: na Nestlé, estamos pilotando o avião e fazendo manutenção no ar, não pode parar senão o avião cai.
GZM - Com a diversificação e o grande volume, como fica a logística?
Ivan Zurita - Temos hoje 2455 skus (itens). Estamos permanentemente substituindo skus, hoje é lança um e tira um. Por eficiência, por estoque mínimo de materia-prima, maximizando os ativos que temos nas fábricas. Hoje, para se ter uma idéia da logística, nós mudamos a arquitetura da empresa, considerando distâncias, velocidade e frescor dos produtos. Meu estoque está sobre os caminhões, o que diminui a infra-estrutura, a necessidade de ativos fixos e propicia agilidade nos processos. Pelo volume que comercializamos, 28 fábricas que abastecem o mercado, em grande parte das fábricas vendemos caminhões, carretas fechadas para os clientes. O produto sai direto da produção e vai para o cliente, não passa por centros de distribuição, o que agiliza todo o processo. Neste momento temos 4 mil carretas transpor tando produtos. Se decidir parar essas carretas e guardar os produtos não temos onde colocar.
GZM - Quais produtos têm maior destaque na receita?
Ivan Zurita - Nós temos o portfólio mais amplo do mercado, a linha láctea é importante para nós, assim como a linha de chocolates e a linha de bebidas. Esses são os pilares.
GZM - O senhor havia dito que a cada 3% de crescimento a Nestlé investe em uma nova fábrica. Analisando o crescimento do consumo e a capacidade instalada das fábricas, quais regiões receberiam os próximos desembolsos?
Ivan Zurita - Dentro do nosso processo de crescimento estabelecemos um plano de penetração nas classes C, D e E, que respondem por 72% do consumo de alimentos deste País. Com essa efervecência, com bolsa família, com tudo isso que está sendo feito a gente sente um efeito principalmente no Nordeste, que é mais ávido ao consumo. Por isso nós levamos a fábrica para o Nordeste. Essa fábrica de Feira de Santana nos permite atuar mais rapidamente no mercado, dar uma resposta mais rápida às necessidades do consumidor. Estando lá, produzindo lá, você tem mais poder de fogo, elimina o transporte e tem algumas vantagens fiscais que nos possibilita ser mais agressivos regionalmente falando. Temos setores da baixa renda que não tinham acesso diretamente às linhas Nestlé e para os quais estamos desenvolvendo produtos específicos. Fizemos um trabalho muito fino. Nós temos hoje pessoas que moram em favela e trabalham aqui, que foram formadas e hoje atuam como consumer marketing managers, o que nos deu uma plataforma de crescimento.
GZM - Quanto a baixa renda significa para a Nestlè?
Ivan Zurita - Essa plataforma cresce com uma velocidade incrível. Eles nem sempre consomem no supermercado, acabam comprando picado de acordo com as necessidades. Nós já temos 5,8 mil pessoas trabalhando no porta a porta e vamos chegar a 10 mil no ano que vem. Já tem dois anos esse trabalho. Atendendo porta a porta vão criando uma fidelidade e também um conhecimento de mix de produto que essas pessoas consomem, tem um relacionamento, elas mesmo moram ali, conhecem as necessidades. Hoje é pequena a participação no resultado final, mas não o faturamento, que já supera R$ 300 milhões. Não só o porta a porta, mas o consumo de baixa renda. Vamos chegar a R$ 1 bilhão.
GZM - Quais as características da venda no porta a porta. Quais os principais produtos ?
Ivan Zurita - Temos que levar em consideração o desembolso, a freqüência de compra e a qualidade. Eles gostam de consumir marcas mas não gostam de pagar a embalagem. Alguns produtos têm embalagens diferentes. Tem um portfólio separado, sete dias é o fluxo de caixa e eles consomem muito os produtos no ônibus.
GZM - A Nestlé anunciou novos investimentos para a Garoto, mas o processo de aquisição ainda está no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Como está esse processo?
Ivan Zurita - Nos estamos discutindo legalmente. A Nestlé esta confiante de que vai sair vencedora. Nunca tive plano B. A Garoto, quando compramos, faturava R$ 520 milhões. No ano passado foram R$ 1,3 bilhão e este ano R$ 1,5 bilhão mais ou menos. Ela perdia dinheiro e tinha um clima interno terrível porque tinha problemas financeiros e de má gestão. Hoje é uma companhia de alta performance, é a marca de chocolates que mais vende na América Latina. Aumentamos 600 empregos diretos, já distribuiu mais de R$ 16 milhões de lucros para os funcionários.Quando compramos tinha 48% de ociosidade, hoje nos estamos a 103% de ocupação. É o segundo ponto turístico mais visitado, só perde para o convento.
GZM - A economia está crescendo. Como o senhor avalia o governo Lula?
Ivan Zurita - Nunca tivemos uma economia como a de hoje. Temos reservas, o superávit comercial ultrapassou a casa dos US 40 bilhões, inflação controlada, juros ainda altos — so mos o terceiro país mais caro do mundo — mas com tendência de queda. Existe uma recuperação do poder aquisitivo que miniminiza a pobreza substancialmente. Você não pode pretender que se resolva tudo de um dia para o outro. Está certo que não tivemos também grandes crises internacionais o que nos deu tempo de colocar essa economia em ordem. Hoje o dólar não tem o lastro que tinha. Tudo isso colaborou. Mas eu acho que a gestão Lula vem mostrando um plano de desenvolvimento do País muito interessante. Eu faço parte do Conselho Econômico de Desenvolvimento Social, em Brasilia. Eu coloco sempre o seguinte: temos que comparar o Brasil com o mundo e não com nós mesmos no passado. Eu digo que, independente de governo, estamos condenados a ter sucesso neste País, mas se o governo Lula ajudar, ganhamos velocidade.
GZM - O que ainda precisa ser feito?
Ivan Zurita - O que eu sugeriria e já sugeri para o presidente é que os ministros sejam escolhidos por headhunters e não deveriam se envolver em partidos políticos senão vira essa negociação que esta aí, acho que o cargo público deveria ser escolhido pelo profissionalismo que tem, para fazer esse País render. Seria um golpe de gestão buscando maior eficiência da máquina estatal. Existe sempre uma idéia de que golpe de gestão vai mandar gente embora, não necessariamente, vou dar o exemplo da Nestle. Na Nestlé nos tínhamos 16 mil funcionário antes de mais do que duplicar a produção com a mesma quantidade de pessoal mas trocamos 4 mil pessoas buscando eficiência. Isso faz parte. Para o governo o que falta é mudar a arquitetura de gestão e não mandar gente embora. Acho que estamos no caminho correto, a grande discussão mundial hoje é energia e água e temos 20% de água do planeta e toda a energia que produzirmos.
GZM - Qual a importância do Brasil para o grupo?
Ivan Zurita - Existem mercados mais maduros, como o europeu. Tem a África, Ásia e Oceania que crescem bastante também, e América Latina, onde o Brasil é um dos destaques do grupo. Por isso é uma das prioridades de investimento do grupo.
GZM - A Nestlé foi afetada pelo anúncio de contaminação do leite?
Ivan Zurita - Temos uma cadeia preservada, fazemos o controle na recepções na fábrica, se aprovado entra no processo senão volta para a carreta. Foi uma total irresponsabilidade e acho que merece punião, ninguém tem o direito de interferir na saúde das pessoas. O controle que existe hoje é o mesmo de 30 anos atrás com uma pessoa do SIF ( Serviço de Inspeção Federal) dentro de cada fábrica. Eles fazem o trabalho deles mas hoje em dia não é suficiente, tem que mudar, adaptar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de saber onde a divisão de picolé e sorvetes entra em toda essa dimensão, pois nao houve nenhum comentario a respeito dessa linha espetacular e deliciosa, nao so nestlé mais também garoto

Anônimo disse...

Sou acadêmico e estou tentando descobrir o market share de sorvetes no Brasil, mas é incrível como as empresas Kibon e Nestle ficam informando que possuem cada uma mais de 50% do mercado, ou seja, somando as duas dão 110% de mercado e as outras, onde entram? É dificil encontrar este valor exato, infelizmente em outros mercados isto é mais transparente.